Entrevista: Olhar da psicologia escolar faz a diferença no Colégio Exponencial

 

As perspectivas educacionais e de relações humanas pedem um novo olhar nas práticas pedagógicas e no desenvolvimento das habilidades socioemocionais. Atento a essa necessidade, há mais de uma década o Colégio Exponencial conta com o suporte da psicóloga escolar, Ana Amélia Bedin, que desenvolve um amplo trabalho levando em consideração todo o ambiente escolar.

Acompanhe na entrevista:

 

 Colégio Exponencial - O Colégio Exponencial conta com trabalho de psicóloga escolar, isso pode ser visto como um diferencial para a escola?

 

Ana Amélia Bedin - O Colégio Exponencial conta com a função da psicologia escolar desde 2007, sendo este um diferencial em relação as demais escolas da cidade, onde a maioria ainda não conta com este profissional ou aderiu aos serviços apenas mais recentemente e isso não só em relação a Chapecó, mas no país de modo geral. Porque, infelizmente, não é comum vermos psicólogos nas escolas brasileiras. Apesar de ser notória e flagrante a necessidade de profissionais dessa área no âmbito escolar, haja vista as demandas educacionais virem sofrendo alterações significativas nas últimas décadas.

O conceito de “vir para a Escola para aprender” ganha novos sentidos na atualidade, já que aprender vai muito além de conteúdos curriculares, incluindo as habilidades socioemocionais e toda a complexidade das relações humanas que delas desencadeiam.

Sendo assim, o Colégio Exponencial, também neste quesito (como em tantos outros) faz “vanguarda” em termos de atender as expectativas da comunidade escolar e está à frente em mais de uma década na “cultura” de reconhecer a importância da psicologia no ambiente escolar. Serve como alento, neste cenário de falta de reconhecimento da profissão de psicólogo, ser uma profissional que trabalha numa escola que valoriza a psicologia enquanto área de conhecimento e atuação.

A psicologia escolar vem se configurando como um campo de ação extremamente rico, porém inexplorado, pouco conhecido e, por vezes, ainda não bem valorizado. No setor público, por falta de verbas educacionais e, de modo geral (público e privado) por falta de cultura que reconheça a relevância desta área do saber para a Educação. Fico feliz por pensar que aqui isso já evoluiu e é diferente.

 

 Colégio Exponencial - O que distingue a psicologia escolar das demais áreas da psicologia, especialmente da clínica?

 

Ana Amélia Bedin - Existe uma confusão muito grande e ela é estrutural, teórica e advém de carências inclusive da formação dos cursos de graduação de psicologia, no que diz respeito às especificidades da área educacional e escolar. Não tem como aqui, numa breve entrevista, traçar todas as problemáticas que envolvem esta questão. Importa dizer que, na prática, pelo senso comum, mas não só, também pela precariedade da formação dos psicólogos na área educacional, existe uma ideia de que o psicólogo na escola é similar em funções e restrito à teorias e aos olhares da psicologia clínica. Ledo engano!

A Psicologia Escolar se constitui como uma área independente da clínica, que não a nega, assim como não faz com a organizacional, mas que detém toda uma gama de possibilidade de olhares que a distinguem em forma e conteúdo da psicologia clínica. Não se trata de negar por completo o “olhar clínico”, que a todo psicólogo importa independente da área que atua, mas reconhecer que são campos de atuações distintos e portanto, com possibilidade de intervenção próprias. A grande importância da Psicologia Clínica não é diminuída ao esclarecermos esta distinção. Mas dentro da Escola, que é um contexto social amplo, o foco não deve ser o indivíduo apenas. Questões particulares, de inclusão, de atendimento às necessidades individuais, de encaminhamentos à clínicos, são incluídas no trabalho do psicólogo e no contexto escolar como um todo, mas não se reduzem à isso, nem devem ser a prioridade da psicologia escolar.

       Ao adotar a postura clínica como preponderante na Escolas, incorreríamos em vários riscos, como por exemplo, a padronização excessiva e estigmatizante no perfil do aluno. Nem todas, mas a maioria das teorias da psicologia clínica focam seu conceito de saúde mental no binômio “saúde-doença”. Sob essa lógica, a Escola seria sinônimo de adequada, perfeita (saúde) e o aluno seria o foco do “problema” (doença). Ou seja, a lógica individualizante da clínica, que avalia, diagnostica e trata, faria com que o intuito da psicologia fosse apenas adequar o “desadequado” ao sistema escolar (adequado). Assim, adotando essa lógica de “higienização”, onde aquele que foge do padrão não tem voz, nem vez e precisa adaptar-se à “normalidade”, a psicologia prestaria um desserviço à Escola e à construção da autonomia do sujeito que ela se propõe auxiliar a formar, corroborando para práticas excludentes, preconceituosas e achatando as singularidades que compõe o tecido social.

        Sendo assim, para muito além de reproduzir práticas clínicas, a psicologia escolar proporciona oportunidades únicas de intervenção, dado a complexidade das contingências que a definem:

- questionar o contexto amplo que envolve o aluno e o processo de ensino e aprendizagem;

- buscar uma prática em que se mantenham envolvidos todos os sujeitos implicados;

- ser um catalisador de reflexões dentro do ambiente escolar;

- perceber a quais fenômenos culturais e sociais mais amplos determinadas vivências na escola reproduzem;

- analisar como se operam as relações dentro da escola enquanto um sistema formado por partes que se integram numa totalidade; não perder de vista esta totalidade;

- conscientizar para os papéis representados pelos vários grupos que compõe a instituição, sem desconsiderar o indivíduo e suas singularidades;

- trabalhar na construção de alternativas criativas à lacunas e fissuras causadas por fenômenos disfuncionais da sociedade atual, tais como: a perda e desconstrução dos valores humanos, a banalização nas relações humanas, o vazio moral, a ansiedade/depressão como o “mal do século”, entre outros fenômenos ligados à precariedade da nossa relação com o tempo e com a corrosão da qualidade de vida em prol do consumo e da busca desenfreada pelo capital.

 

 

 Colégio Exponencial - Quais são as funções e a importância da Psicologia no contexto do Colégio Exponencial?

 

Ana Amélia Bedin - A importância do serviço foi crescendo conforme a escola foi percebendo que o olhar da psicologia faz a diferença e agrega bastante na área educacional. Isto é fácil de notar se observarmos a minha carga horária ao longo dos anos no quadro de profissionais do colégio, pois, comecei com 8 horas semanais e hoje me encontro com 30 horas na semana, dedicadas ao Colégio.

É complexo descrever qual a importância, porque acredito que sejam várias, porém, uma que resume bem todas as demais implícitas, seria a de ser um dos agentes facilitadores da mudança de paradigma que a Educação como um todo necessita passar para se adequar às novas demandas da era pós-moderna. Ou seja, ser um dos profissionais que favorece às reflexões sobre quais as transformações graduais que o modelo tradicional de Escola, historicamente conhecido por nós, precisa passar para adequar-se à nova realidade de sociedade, de jovem e às novas demandas do mundo atual, em termos de educação.

Sobre as funções desempenhadas, elas são as mais diversas, sempre de acordo com um lema que guia minha prática diária na Escola: “Onde é que o Colégio mais precisa, dado o contexto e momento atual, do olhar e da atuação da psicologia?”. Isso porque é impossível e desaconselhável que eu, como psicóloga da instituição, dê conta de todo e qualquer fenômeno psicológico que perpasse a vivência escolar. Para ficar mais claro, vou listar algumas destas formas de atuação, que elegi como as principais:

- Organização e desenvolvimento de projetos com as turmas, exemplos: Projeto de Vida, Orientação Profissional, Projeto de combate ao bullying, Rodas de Conversa com as turmas com diversas temáticas (de acordo com a necessidade de cada grupo ou contexto).

- Assessoria à Gestão Escolar no pensar pedagógico e institucional deste organismo vivo que é a escola.

- Fornecimento de subsídios práticos, reflexivos e teóricos para que os professores fortaleçam seu conhecimento e suas habilidades para trabalhar com as turmas as competências socioemocionais tão evidenciadas pela nova BNCC.

- Cuidado, acolhimento e troca de saberes com o corpo docente, como forma de favorecer para que a relação professor-aluno seja saudável.

- Escutas pontuais, de acolhimento, orientação e encaminhamento (quando for o caso) de pais e alunos.

De modo geral, procuro manter meu olhar de forma sistêmica, sempre voltado mais à totalidade dos processos do que às partes que a compõe e é com esta forma de ver a Escola que constituo as diretrizes da minha prática.